quinta-feira, 18 de abril de 2013

A Saideira que Evitaria a Segunda Guerra Mundial

A BBC publicou uma reportagem que levanta um fato histórico extraordinário.

Em um determinado período de tempo do ano de 1913, cinco pessoas, que tiveram papéis determinantes na história do séc. XX, moraram no mesmo local. Viena, então capital do Império Austro-Húngaro, hoje capital da Áustria, foi habitada por Adolf Hitler, Joseph Stalin, Leon Trotsky, Sigmund Freud e Joseph Tito.

Pra ler a matéria completa clique aqui.

Stalin 2Agora, num exercício de abstração, imagine que, em 1913, esses cinco caras sentaram numa roda de bar em Viena, tomaram uma cerveja e criaram certo laço de amizade. Hoje se discute bastante nos bares, sobretudo já bêbado, e vemos amigos de reacionários a esquerdistas que debatem, sem contudo perder o afeto entre si. A amizade desses 5 caras possivelmente evitaria a Segunda Guerra Mundial. E muitas outras coisas ruins que vieram depois disso.

Stalin e
 Trotsky não seriam inimigos, e, junto com Lênin, derrubariam o czar e formariam uma república independente, próspera e justa. Tito se tornaria um bom Ministro da Indústria da URSS, e Freud poderia tratar os problemas psicológicos do jovem Hitler, que teria se tornado um bom pintor.

Imagine Hitler sentado no divã de um judeu contando sobre sua infância pobre na Áustria, e como os três marxistas acima lhe ajudaram a reerguer a Alemanha!

Talvez Freud conseguisse curar até von Mises e Hayek - outros dois menos importantes que viveram no mesmo lugar nesse ano -, evitando que décadas mais tarde Allende fosse assassinado e Pinochet provocasse 40 mil mortes, com a ajuda dos EUA (país que sequer teria relevância no cenário internacional).

Seria um mundo mais Viena e menos Holocausto.

Que coisa doida, tantas vidas ceifadas por um ano de cervejada que poderia ter acontecido, mas não aconteceu, infelizmente.


Portanto, bebamos e sejamos amigos, apesar das diferenças ideológicas. Muita coisa pode sair de um debate entre amigos. A troca de experiências e conhecimentos é, talvez, a coisa mais saudável - depois da cerveja - que se possa fazer em sociedade.

Quem sabe assim estejamos evitando a Quarta Guerra Mundial?!

terça-feira, 16 de abril de 2013

Puerpério



- Recomendo aos leitores que não têm estômago nem começar a ler, pois é um texto pesado e forte, apesar do falso-leve do enredo.

Puerpério*


*Puerpério: período pós-parto.

Era quase impossível de acreditar. Após longos anos tentando engravidar, finalmente Simone sentia os primeiros sintomas da tão esperada gestação. Sempre foi magra, e percebia que sua imensa vontade de ser mãe se realizara na medida em que aumentava gradativamente com a dilatação de seu abdômen. Havia 2 meses que sua menstruação não descia. Alberto, seu marido, logo que ficou sabendo da boa nova, tirou um empréstimo no banco pra construir um anexo para o bebê, e com o que sobrou pegou a patroa e foi às compras. Decidiram comprar tudo em cores neutras, pois não sabiam o sexo do bebê ainda. Por ser cedo e a barriga de pouca ampliação, decidiram adiar o pré-natal até poder saber o sexo do bebê. Já com o quartinho quase pronto, Simone passou a se dedicar a aulas de tricô, enquanto Alberto baixava tutoriais e vídeos de como ser pai de primeira viagem. Com o primeiro sapatinho de lã pronto, as paredes pintadas e enfeitadas, e após incontáveis horas de vídeos no Youtube, o casal já se sentia pronto e à vontade com a ideia do filho.

Chegou o que Simone acreditava ser a metade do quarto mês de gestação, pelo tempo de amenorreia. Era hora do tão esperado pré-natal, o dia em que veriam o bebê, ouviriam as batidas do seu coração em ritmo acelerado, suas perninhas e dedinhos, talvez até um pintinho ou a falta dele, indicando o sexo. Alberto queria um menino, torcedor do Avenida como ele. Por Simone tanto fazia, orava por uma criança linda e saudável, embora torcesse em segredo que fosse menina, um pouco por ciúmes outro tanto pelo prazer de contradizer o pai babão. Simone trajou seu macacão, ainda um pouco folgado pela barriga das 15 semanas, pegou o marido e foi ao obstetra para conhecer o mais novo membro da família.

Deitada sobre a maca, com um incontrolável sorriso nos lábios, Simone sente com frio o médico passando o gel sobre seu útero. O Doutor olhou para o ultrassom, coçou a barba desligou o aparelho de vídeo. Percorreu por toda a barriga dela com o estetoscópio, e ela já não aguentava de ansiosa pra escutar o coração do bebê no computador. Lacrimejando, disse ao médico que sentia chutes nos últimos dias, sobretudo à noite, e que mal via a hora de ele, ou ela, nascer e dar seu primeiro grito de liberdade. Desconstruindo aos poucos aquele semblante de obstetra brincalhão, o médico diz em tom baixo, preocupado e quase inaudível: “talvez as notícias não sejam tão boas”. Alberto, aflito, pega no braço do médico e pergunta assustado: “o que há com meu filho, doutor?”. “Este é o problema. Temo que não haja feto no útero de sua mulher”. “Como assim”, pergunta Alberto assustado, enquanto Simone, incrédula, começa a chorar convulsivamente.
- “É um caso raro, se chama pseudociese, ou gravidez psicológica”, prosseguiu o médico. “É um transtorno emotivo, e pode acontecer quando a mulher quer muito ter um filho, ou quando tem muito medo de engravidar. Vou pedir um exame de HCG pra confirmar, mas acredito que a ausência de feto já me dê base pra afirmar que infelizmente não existe bebê no seu ventre. Vou recomendar um psicólogo que sei ser muito bom pra casos como esse”, mas, antes que ele termine de falar, Simone se veste num pulo e sai do consultório às pressas, tendo Alberto em seu encalço. Simone desceu correndo as escadas até dar na sarjeta do prédio, onde acocorou e chorou baixinho, sendo abraçada logo em seguida por um Alberto ofegante.

Passaram-se quase dois meses desde a consulta, que não voltou a acontecer, e Simone contava agora com 24 semanas de gravidez. Os enjoos aumentavam como suas mamas e seu ventre, seu humor oscilava bastante durante o dia, passava as noites em claro. Isso deixava Alberto cada vez mais furioso. Simone teimava em continuar o tricô, jogava pratos no chão gritando, logo depois agarrava-se aos pelos do marido chorando, e se jogava aos seus pés. Mas só ele aceitava que Simone levava na barriga um filho fantasma, um feto inexistente, pois ela se recusou a acreditar no diagnóstico, não via motivos para um tratamento psicológico, decidindo assim a levar a gestação quimérica até o parto. Após uma briga feia, Aberto decidiu sair de casa, com a mesma roupa que trajava, abandonando de vez a mulher pseudográvida e completamente perturbada. Determinada, Simone ia ser mãe solteira, e nem iria registrar o bebê – que agora mais do que nunca ela queria menina – com o sobrenome do pai covarde. Daria o nome de Marlene à criança, nome de sua mãe, pra abespinhar o agora ex-marido, sabendo que eles se odiavam desde sempre. Diria à filha que ela foi gerada por fertilização in vitro, como produção independente por sua imensa vontade de ser mãe, julgava que a filha lhe absolveria, e se emocionava cada vez que pensava nos olhinhos dela ao mamar no seu seio.

Contavam vinte e nove semanas da ilusão que Simone carregava no ventre quando dores fortes tomaram conta de todo seu corpo e uma poça de água se fez no carpete do quartinho da Marlene. “Ainda não está na hora”, ela pensou desesperada. Foi até o banheiro pra pegar a maleta do bebê quando um forte espasmo a jogou pra trás, derrubando-a de sua própria altura e fazendo com que ela batesse com a cabeça na quina da banheira. Minutos depois, ainda com a vista anuviada, Simone acorda, vê sangue na banheira, vê sangue no vestido e percebe que não há mais tempo, a dilatação indica que a criança está chegando. A dor abdominal é insuportável, ela desmaia por segundos algumas vezes até erguer-se num só respiro e sentir algo descendo sobre suas pernas molhadas. Ela agarra no ar e fecha os olhos, erguendo o bebê ainda quente em suas mãos. Esperando ouvir o choro, ela abre lentamente os olhos e percebe que deu luz à sua própria placenta. Uma placenta vazia, pegajosa e nojenta, que ela pega e atira na parede com força, provocando uma explosão de líquido incolor pastoso. Num acesso de raiva e melancolia, Simone atira sua cabeça contra o espelho do lavabo, quebrando-o em vários pedaços. Com as mãos trêmulas, pega o celular que estava sobre o mármore da pia e disca errante para o número de Alberto. O líquido vermelho escorre às bicas pelo seu rosto, pingam de seus cabelos e o telefone fica vermelho de tanto sangue.

Alberto demora propositalmente para atender, pois não quer falar com a ex-mulher. No entanto, mesmo não sabendo do risco de vida dela, e comovido pelo toque cuja melodia era a primeira música que eles ouviram juntos, ele decide atendê-la. “Alô”, ele diz. É tarde: Simone deixa cair de sua mão o celular, cata com cada mão os mais afiados fragmentos do espelho arruinado na cuba da pia, olha no reflexo sua imagem sumindo em uma nuvem negra e numa só investida ataca os próprios pulsos. Ao chão, ela ainda consegue dar o último suspiro de vida ouvindo no telefone: “Simone, meu amor, você está bem?”.







- Apesar de não gostar de explicar o que eu escrevo, deixando assim a livre interpretação, digo que escrevi essa história pensando nas pessoas que ficam cegas por suas convicções, que muitas vezes recusam ajuda e afastam aqueles que as amam por uma obsessão, um objetivo inalcançável.

domingo, 7 de abril de 2013

Crossroads

Duas horas numa fila de supermercado. A operadora do caixa, uma loira baixinha, daquelas gorduchas cujas roupas são menores que seu manequim, mastiga lentamente seu chiclete, com a mesma displicência com que passa os produtos no leitor óptico. O empacotador, que é portador de síndrome de Down, deposita as compras na sacola com extremo esmero, como se estivesse ajeitando taças numa prateleira de cristais. A cena me comove um pouco, a vontade que ele tem de ser útil mesmo com as limitações, comparo meus problemas com os dele, mas faz meia hora que tem apenas dois carrinhos na minha frente e a caixa loira gorducha continua fazendo corpo mole. O careca da minha frente parece menos impaciente que eu, pois deve ter percorrido uns 5 quilômetros de supermercado com a mulher, uma morena de trajes sumários que não para de falar um minuto das duas horas em que estou atrás deles. Ao contrário dos seus cabelos, que sacaram a chatice da tagarela e sumiram há anos, este homem deve ser daqueles resignados por natureza, passivo, apático, pois seu semblante lembra o de um aposentado que espera – ou deseja – a morte. O que está sendo atendido no caixa - um senhor de cabelos grisalhos, magro e adequadamente vestido -, se irrita com o cartão de crédito, pergunta pra filha se foi ela quem estourou o limite, reclama da máquina que não cospe o maldito bilhete azul, do governo que lhe cobra impostos exorbitantes nos produtos, da economia brasileira “que vai de mal a pior”, do ar-condicionado desligado, do aquecimento global, da vontade de mijar. Pergunto-me se comprei tudo, a massa, o molho, o absorvente sem abas da minha mulher, os ovos de páscoa das crianças. Se não, deixo pra outro dia, porque hoje tá difícil fazer qualquer outra coisa a não ser aguardar. E sair da fila pra ficar mais duas horas de fila depois não é uma opção.

Exausto, deposito os braços cruzados sobre o manete do carrinho, deito a cabeça neles e fecho os olhos, respiro bem fundo e sinto tudo em volta sumir. A música, o locutor de ofertas, a tagarela, o reclamão, a filha envergonhada. Aperto os olhos nos braços e começo a ver dezenas de bolas coloridas, como se fossem rosquinhas, abrindo e fechando, um caleidoscópio de cores com uns pontos brancos se abrindo, da mesma forma como brincava de olhos fechados na infância. O murmurinho do mercado todo vai sumindo, dando lugar a um sentimento inédito de paz, algo que nunca havia sentido antes. Até que sinto um cheiro ruim que me obriga a levantar e abrir os olhos. O cheiro vem junto com uma luz muito forte, que não sei se é porque eu estava apertando tanto os olhos e a luminosidade do ambiente me cegou, mas me sinto um recém-nascido que abre os olhos pela primeira vez. Na medida em que minha visão vai voltando a distinguir as coisas, cores e formatos vejo que o careca da minha frente e sua mulher sumiram. O cara chato do cartão, a filha pródiga, a caixa lerda, o empacotador Down, todo mundo some, até quem estava atrás de mim. Olho tudo ao redor, e só há um homem, vestindo terno preto, gravata azul e cabelos negros penteado pra trás. Ele me fita encostado numa parede há uns 10 metros em frente ao caixa. Está fumando um cigarro, e me pergunto quem hoje em dia fuma cigarros num supermercado. Olha como se não fosse surpresa o fato de toda aquela gente ter sumido assim. Olha como se me conhecesse, como se quisesse ter apenas a mim ali, e eu olho pra ele como que perguntando por que só ele e eu permanecemos no supermercado. Deve ser um segurança, e penso que viajei por horas no caleidoscópio coloridos dos meus olhos fechados e agora o mercado tem de fechar. Me parece óbvio um segurança no final do expediente acender um cigarro esperando o último cliente inconveniente sair.

“Boa noite”, ele me saúda, olhando tão dentro dos meus olhos que minha espinha estremece feito bambu verde. “Conheço você?”, pergunto, agarrando forte com as mãos já suadas o manete do carrinho de compras, que está igualmente vazio, como o supermercado a minha volta. “Vim pra te levar pra casa”, ele responde vindo em minha direção, tão malemolente que nem parece passar uma perna sobre a outra, anda como se flutuasse. A voz não parece vir da boca dele também, fala dentro da minha cabeça, o som parece estar colado ao meu ouvido. Num piscar ele já se encontra em minha frente, recostado com o cotovelo sobre o caixa, e continua com os olhos no fundo da Minh‘alma. Pensei: “pronto, pirei!” Em tom jocoso, posto que não cria naquela situação, pergunto se ele é a Morte, mas a resposta dele é ainda mais audaz, com uma voz sedutora: - “Sou o Diabo”. “Então não vou morrer?”, rebato. Deixo transparecer meu nervosismo com a situação. Digo que não tenho tempo para piadas de mau gosto, imagino ser um daqueles programas vespertinos de domingo, procuro as câmeras, o apresentador, minha mulher que deve estar rindo muito de mim atrás de algum biombo, e ele me pega pelo braço; - “Teu tempo acabou. Pra tipos com tu, a Morte apenas não toa”. Sua mão gélida esfria meu corpo inteiro, e já me sinto morto. - “Encarregaram-me deste fardo, carregar almas como a tua direto pro inferno”. A vida nunca me pareceu tão boa quanto agora, que me sinto extinto. - “E qual a razão de o próprio Lúcifer vir me buscar, que vida tão indigna da morte eu tive?”, digo a ele, já resignado.
- A vida de ceticismo, de ateísmo niilista.
- Então o próprio Deus deveria baixar aqui, para que eu fosse então julgado por aquele cuja existência eu duvidava e até mesmo tentava convencer em quem Nele cria.
- E o que sou eu, senão Deus em Sua forma mais pura e sincera? Sou eu, dentre todas, a face Dele que ninguém espera ver quando parte. Sou a parte mais piedosa de Deus, Sua manifestação mais cínica, a expressão máxima da Sua vontade posta em prática.
- E por que não temo mais tua presença?
- Agora tu fazes parte de mim, e o inferno nada mais é do que a inexistência da alma, a morte do espírito, o esquecimento pleno, o nunca ter existido.
- Me parece o esquecimento uma boa forma de deixar pra trás uma vida de incertezas. Passei a vida inteira acreditando que o Diabo era mal por natureza.
- Homens que acreditam saber o que é Deus, o que ele pensa ou diz, falam essas e outras asneiras. Não há anjo decaído, não há alma a ser resgatada. Não existe Deus, não existe o Diabo! Senhor? Senhor? Dinheiro ou cartão, senhor?"
- Hãn?
- Dinheiro ou cartão?
- No cartão. Crédito, por favor.