quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A Grande Contradição da Greve dos PMs na Bahia

Por Rafael Rivas

Greve armada não é greve legal e legítima


Existe uma grande contradição nesta greve dos PMs da Bahia. Na verdade, existem algumas. A primeira, se ela é legítima ou não. A segunda, se é legal ou não. A terceira, é sobre a cobertura e opinião da mídia sobre o caso. A quarta, se deve se tratar esta reivindicação como se tratam as outras, de menor potencial ofensivo. Por último, uma possível solução.


Da Legitimidade da Greve

A analise de se é ou não legítima a greve deve iniciar pelo debate racional da medida adotada pelos reivindicantes. Eles seguiram um caminho tomado por todos os manifestantes grevistas? Inicialmente, se agruparam em associações de classe, reivindicaram aumentos ao governo, pressionaram os políticos, mostraram que, sem seu trabalho, a coisa ficaria um caos. De fato ficou! Até aí, tudo normal para uma paralisação de serviço público.

A parte ilegítima dessa greve consiste na utilidade da função exercida pelos policiais na sociedade. Assim como na área da saúde, a paralisação da segurança pública traz consequências imediatas e fatais, extremamente nocivas à vida da população.

Portanto, havendo ou não o direito que eles reivindicam, paralisar totalmente um serviço fundamental à vida é ilegítimo, imoral e extrapola o livre exercício da greve.


Da Legalidade da Greve

O direito à greve deve ser garantido pelo Estado. Até agora, nunca se legislou sobre a greve de funcionários públicos, mas se utiliza por analogia a legislação trabalhista, ou seja, dos celetistas. Há necessidade extrema de visibilidade e pressão ao governo para melhorias do funcionalismo público, isso é patente.

Ocorre, entretanto, que o movimento grevista dos PMs da Bahia extrapolou a legalidade de uma paralisação amparada pela lei e pelo Estado. Os policiais não reivindicam desarmados, não invadiram a Assembleia Legislativa como fariam professores, não estão lá como civis. Os PMs que estão amotinados na Assembleia são homens armados, pessoas sem licença para utilizar a arma de serviço para tais fins.

Logo, a greve dos PMs também está na ilegalidade, pois a reivindicação é armada, é abusiva e viola os princípios mais básicos de uma democracia.

O líder grevista, Marco Prisco Caldas Machado, sequer está lotado no Corpo de Bombeiros, cargo do qual foi exonerado após uma tentativa de assassinato do seu superior, em um levante semelhante ao presente em 2001.


Da Mídia

A mídia tem noticiado o caso, sem tentar pender para o lado político da greve, que é público e notório. O líder da greve é filiado ao PSDB, oposição ao Governo baiano do PT. O PSDB nunca foi dado a greves, só que neste caso está diretamente relacionado, ainda que não tenha se manifestado públicamente como fez do DEM.

Estão falando das vítimas, das consequências, dos calores da manifestação, do exército nas ruas, na contenção dos manifestantes pelo exército e etc. Por óbvio, a mídia não é imparcial, só que, por ser contra o PT, desta vez se foca mais na opinião antiga do governador baiano sobre as greves do que na ilegalidade ou ilegitimidade da greve em si.
Ou seja, ao invés de tocar nas manifestações de reivindicações sociais e salariais que são as greves, falam de como o governo reage e é hipócrita estando na situação. Falar bem de greve nunca foi praxe da mídia gorda, mas na ótica deles, esta greve deve ser amplamente divulgada, pois se trata de um tiro no pé do governo petista quando em oposição.

A mídia, por conseguinte, faz seu papel de sempre, ocultando um pouco das manifestações contrárias às greves que sempre são seu foco, quando o governo da situação é aquele que defende seus interesses.


Das Reivindicações Sociais

É comum vermos a polícia militar do Brasil repreender qualquer manifestação que ultrapasse o limite do aceitável (por eles, é claro). Ainda que seja constitucionalmente protegido o direito da livre manifestação, reunião e mobilização por uma causa, corriqueiramente vemos a polícia literalmente descendo o cacete nos “manifestantes”, sejam eles professores, defensores da liberação das drogas, estudantes, trabalhadores civis ou funcionários públicos.

Tendo em vista que a greve dos PMs não é nada além de outra greve comum, não seria de se indignar uma represália, uma resposta hostil aos manifestantes. Na falta de policiais havidos de porrada e sangue, que se utilize o exército, mantenedor da ordem pública.

Então, qualquer reação do exército brasileiro a essa manifestação armada não seria nada mais do que a própria polícia militar já está acostumada a fazer, com a diferença apenas do lado em que está e na condição de armados que estão.


Da Solução

É consabido que a oposição sempre pressiona o governo do poder auxiliando as reivindicações sociais nas suas empreitadas. Aqui no RS, por exemplo, havia muita gente do PT a favor dos professores grevistas, quando o governo era tucano. Agora, o CPERS divulga amplamente que o Governo de Tarso Genro (PT) é mais um inimigo da educação!

Ora, o problema dos vencimentos dos servidores públicos é e sempre será motivo de reivindicação, pois nunca chegará ao patamar desejável. Não com essa mentalidade política e econômica. Haverá insatisfeitos sempre, pois nosso erário não condiz com a política salarial reivindicada por todo funcionalismo público. Não há como praticar todos os reajustes almejados. Estando oposicionistas ou situacionistas no poder, a reivindicação será sempre um hábito.

Urge uma reforma política, tributária e previdenciária no Brasil, e é isso que transformará nossos cofres públicos em um reformador dessa condição de precarização da saúde, educação e segurança pública. Apesar de eu ser favorável às greves, legítimas e legais - aquelas que são repreendidas na porrada -, não creio que greves sejam o melhor caminho. É algo imediato e paliativo, não atinge a raiz do problema e só protela o inevitável: uma nova greve!

É necessária uma reforma urgente na política e no nosso sistema falho como um todo, melhorando e aperfeiçoando os mecanismos econômicos da gestão de recursos. É preciso reduzir drasticamente as verbas do Executivo e Legislativo, aplicar de uma forma mais responsável e investidora do dinheiro público, assim como é forçosa uma fiscalização apurada do Judiciário, apurando-se eventuais irregularidades. Afastar, de uma vez por todas, esse curral político atual, essa baderna que é nosso cenário representativo.

A problemática da política no Brasil não é moral ou metafísica, tampouco política; é um problema sistêmico, que está inserido no germe da mentalidade individualista da sociedade atual.

Essa greve, diferente das outras, é meramente política, um teatro perigoso de pessoas mal intencionadas. Na voz dos próprios colegas dos amotinados, os grevistas são “baderneiros”, “delinquentes” que põem em risco a vida da população.

O líder grevista, Marco Prisco Caldas Machado, é pré-candidato pelo PSDB a uma das cadeiras da Câmara de Salvador este ano, ou seja, quer ser um bem remunerado vereador soteropolitano, o que mostra que não se reivindica uma solução, senão apenas uma forma de se continuar enganando e utilizando a massa como manobra política de interesses privados e escusos.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O Drama de Angélica



Ouve meu cântico, quase sem ritmo, que é a voz de um tísico magro esquelético. Poesia épica, em forma esdrúxula, feita sem métrica com rima rápida.

Amei Angélica, mulher anêmica, de cores pálidas e gestos tímidos. Era maligna e tinha ímpetos de fazer cócegas no meu esôfago.

Em noite frígida, fomos ao Lírico ouvir o músico, pianista célebre. Soprava o zéfiro, ventinho úmido, então Angélica ficou asmática.

Fomos ao médico, de muita clínica, com muita prática e preço módico. Depois do inquérito, descobre o clínico o mal atávico: mal sifilítico.

Mandou-me célere comprar noz vômica e ácido cítrico para o seu fígado. O farmacêutico, mocinho estúpido, errou na fórmula - fez despropósito. Não tendo escrúpulo, deu-me sem rótulo ácido fênico e ácido prússico.

Corri mui lépido mais de um quilômetro num bonde elétrico de força múltipla. O dia cálido deixou-me tépido. Achei Angélica já toda trêmula.

Da terapêutica dose alopática lhe dei uma xícara, de ferro ágate. Tomou no fôlego, triste e bucólica, esta estrambólica droga fatídica. Caiu no esôfago, deixou-a lívida, dando-lhe cólica e morte trágica.

O pai de Angélica, chefe do tráfego, homem carnívoro, ficou perplexo. Por ser estrábico, usava óculos: um vidro côncavo, outro convexo.

Morreu Angélica de um modo lúgubre, moléstia crônica levou-a ao túmulo. Foi feita a autópsia, todos os médicos foram unânimes no diagnóstico.

Fiz-lhe um sarcófago, assaz artístico, todo de mármore, da cor do ébano. E sobre o túmulo uma estatística, coisa metódica, como Os Lusíadas.

E numa lápide, paralelepípedo, pus esse dístico, terno e simbólico:

"Cá jaz Angélica,
moça hiperbólica
beleza helênica,
morreu de cólica!".










Música de Alvarenga e Ranchinho.