sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O Primeiro Imperativo Kantiano


(Este post versa sobre o “primeiro imperativo kantiano”. Já havia estudado, mas ficou muito melhor ilustrado pela explicação do Dr. George Marmelstein Lima, Juiz Federal, que fez ao seu filho mais novo. Segue abaixo o texto retirado do blog do Magistrado, http://direitosfundamentais.net).




Explicando Kant para meu filho de 3 anos


Copiado em Julho 10, 2009 de George Marmelstein Lima.
  


Nesse clima de férias, estava eu a tomar banho de piscina com meus filhos, quando o mais novo perguntou se podia fazer xixi. Respondi que na piscina não, pois era errado. Na curiosidade típica das crianças, ele perguntou por que fazer xixi na piscina era errado. A resposta que dei foi relativamente mais simples do que a que vou formular agora. De qualquer modo, tenho certeza de que ele também compreenderia, pois é bastante esperto. É uma explicação bem básica do primeiro imperativo categórico kantiano (”age de tal modo que tu possas querer que a tua ação se torne uma lei universal de conduta“). Tal imperativo funciona como uma espécie de roteiro mental para fundamentar subjetivamente as questões morais, desde as mais simples até as mais complexas, partindo do pressuposto de que quem agirá adotará um comportamento racional e sincero.

Para saber se um ato (ou uma máxima, como diria Kant) é moralmente certo ou errado, é preciso seguir quatro passos.


1º Passo – Formulação do Princípio de Ação (Máxima)


O primeiro passo é estabelecer a máxima que será avaliada. Geralmente, é formulada por meio de verbos (matar, mentir, descumprir promessas, suicidar-se etc.). No nosso caso, a máxima é: fazer xixi na piscina.


2º Passo – Especular sobre a Transformação de Tal Princípio de Ação em Lei Universal de Conduta


O passo seguinte é cogitar em uma possível universalização da máxima. Universalização, nesse sentido, significa imaginar uma norma que obrigasse todo mundo a agir da mesma forma naquela situação. A idéia é, portanto, transformar a máxima em uma lei universal. No nosso caso, a lei universal seria: todos deverão fazer xixi na piscina.


3º Passo – Verificar as Consequências da Referida Universalização


No terceiro passo, será analisado o que ocorreria se a referida lei universal fosse adotada como padrão na natureza. Em outras palavras: o que aconteceria se todos agissem segundo aquela máxima naquelas circunstâncias?

No nosso caso, basta pensar no que ocorreria se todos que tomassem banho de piscina fizessem xixi na água sempre que tivessem vontade.


4º Passo – Saber se o Agente Moral Aceitaria (Desejaria) as Consequências de uma tal Lei Universal



No último passo, o agente moral deverá verificar se aceitaria agir segundo a máxima mesmo sabendo das consequências que ela acarretaria se fosse transformada em uma lei universal da natureza, perguntando a si mesmo: “Ficaria eu satisfeito de ver a minha máxima se transformar em lei universal a ser seguida não apenas por mim, mas por todas as outras pessoas racionais?” Se ele responder afirmativamente, então a máxima será moralmente correta. Se ele não aceitar tal lei universal, então a máxima será imoral.

No caso ora analisado, a máxima “fazer xixi na piscina” não poderia ser transformada em uma lei universal, pois ninguém desejaria tomar banho numa piscina cheia de xixi, que é justamente o que aconteceria se todo mundo urinasse na piscina. Só uma pessoa irracional ou pouco sincera ou muito nojenta preferiria tomar banho numa piscina suja ao invés de tomar banho numa piscina limpinha.

Portanto, aquele que faz xixi na piscina age em contradição consigo mesmo, pois pratica uma ação mesmo não desejando que ela se torne uma lei universal, numa clara violação do primeiro imperativo categórico. Os sujeitos moralmente evoluídos deveriam ficar com dor na consciência ao urinarem na piscina, pois o seu sentimento de dever moral estará sendo pisoteado pela sua própria conduta.

E não importa se o agente moral vai ser descoberto ou não. A sanção moral, para Kant, é subjetiva. No caso do xixi na piscina, dificilmente alguém perceberá que o agente moral está ou não se aliviando debaixo d’água. Mesmo assim, será incondicionalmente imoral realizar tal conduta, pois ela viola o imperativo categórico, que é categórico justamente porque não admite desculpas esfarrapadas do tipo “não deu tempo“, “é só um pouquinho“, “todo mundo faz” etc. Não tem conversa fiada: se você não deseja que os outros façam, então você tem o dever moral de também não fazer e ponto final.

Eis uma resposta kantiana para a pergunta do meu filho. Como se vê, o primeiro imperativo categórico é uma formulação alternativa e mais sofisticada da “regra de ouro” na sua versão positiva: faça aos outros aquilo que você gostaria que os outros lhe fizessem. E foi justamente essa explicação mais simples que dei a meu filho. Perguntei-lhe: “você gostaria de tomar banho numa banheira de xixi?” Ele olhou com uma cara de nojo e respondeu que não.


Sobre isso, Kant certamente diria:


“Não preciso, pois, de perspicácia de muito largo alcance para saber o que hei de fazer para que o meu querer seja moralmente bom. Inexperiente a respeito do curso das coisas do mundo, incapaz de prevenção em face dos acontecimentos que nele se venham a dar, basta que eu pergunte a mim mesmo: – podes tu querer também que a tua máxima se converta em lei universal? Se não podes, então deves rejeitá-la” (IK, FMC, p. 35/36).

A propósito, no final do dia, a cor da piscina estava bastante “estranha”, demonstrando que o primeiro imperativo categórico não é tão eficaz assim. Acho que nem todo mundo vive no estágio moral “pós-convencional” de que tratou Kohlberg.